Sunday, December 13, 2009

Águas cristalinas

Eram sete da manhã quando ele fez os últimos preparos.

Não havia razão para ficar mais tempo na cama. A noite anterior não tinha sido boa e seus sonhos foram novamente povoados pelos pesadelos que, desde o último mês, ele conhecia bem.

Colocou tudo que tinha em cima da cama. Selecionou algumas roupas, não precisava de todas. Além das roupas, colocou na mochila uma bússola e um binóculos. Todas as lembranças que lhe remetiam a outros tempos, ele deixou no armário. "Era hora de deixar o passado para trás", pensou.

Enquanto caminhava até a enseada, inúmeras dúvidas lhe apareceram. Seria essa uma vigem somente de ida? Ainda precisavem dele por aqui? Ele encontraria o que procurava para além do horizonte?

Ninguém poderia responder aquelas perguntas. O risco era inerente à sua escolha...E foi aí que ele lembrou de suas próprias lágrimas. Lembrou da fonte de seus pesadelos, da tristeza toda. Se ainda precisavam dele ali, que o procurassem então, pois não era o que parecia. E mesmo não encontrando o que ele procurava, a sua busca, por si só, já o preenchia com algum significado.

Quando percebeu que encarar o risco de zarpar sem rumo era ainda melhor que o risco de estar ancorado naquelas águas escuras, ele teve certeza que a viagem seria só de ida.

Chegando na enseada, ele se deu conta que não se despediu de ninguém. Então ele olhou para o céu e pensou: "que eles me perdoem, pois eu não vou voltar".

Finalmente entrou na embarcação. Havia um homem posicionado em frente ao leme que parecia ser o capitão. O homem tinha cabelos brancos e longos, olhos azuis, barba por fazer e usava um enorme cordão com uma cruz dourada pendurada.

Ele saudou o capitão, que retribuiu gesticulando com a cabeça. Perguntou sobre os outros tripulantes e se supreendeu quando o capitão respondeu: "Não há outros. Esse é o seu barco, só vc pode navegar nele". Com estranheza, ele perguntou "mas porque só eu?".

- Você não é o homem dos pesadelos? Você não é aquele que se perdeu nas águas escuras e profundas da solidão? Não é você quem precisa de um recomeço?- Perguntou o capitão.
- Sim, mas...
- Então esse é o seu barco! Vou te levar de volta paras as águas cristalinas...Vou te levar para a verdade novamente. Vou te levar para um lugar onde você possa dormir tranquilo.
- E que lugar é esse?
- Não, essa não é a hora de perguntar isso. O lugar será revelado quando estivermos perto de encontrá-lo.

De fato, não havia um lugar específico para seguir, apenas não havia mais razões para ficar...Se alguém lhe perguntasse para onde queria ir, simplemente não haveria resposta e o capitão, por razões ocultas, já sabia disso. E isso já era o suficiente para zarpar.

Ele se posicionou ao lado do capitão, que lhe perguntou "Podemos ir?". E ele respondeu: "apenas me tire daqui".

O barco partiu.

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