Sunday, March 29, 2009

Cidade contraditória


“Toda história tem três lados: o meu, o seu e a verdade. 
E ninguém está errado!”
Robert Evans

Teste básico para saber se você é um otimista ou um pessimista: olhe para um copo com água até a metade. Você diria que ele está “meio cheio” ou “meio vazio”?
O Rio de Janeiro é um grande copo com água até a metade. E depende de cada um vê-lo como maravilhoso ou asqueroso. Creio que seja uma questão otimismo, além dos demais graus que essa qualidade pode atingir. 
Dicionário Michaelis: o.ti.mis.mo
s. m. 1. Disposição, natural ou adquirida, para julgar tudo o melhor possível. 2. Filos. Sistema dos que consideram este mundo o melhor dos mundos possíveis.
Tem-se no imaginário popular que o carioca é um ser sempre alegre, feliz; mesmo com todas as adversidades da vida, ele procura sempre dar um “jeitinho”. Um ser despreocupado e mais tranqüilo. Um ser que bate palmas para o lindo pôr-do-sol na praia, que sai do trabalho a tempo de dar uma “esticadinha” até o mar. Que samba o dia inteiro como se tivesse um tamborim ao invés de coração batendo no peito. Inacreditavelmente, as praias estão sempre cheias todos os dias e todos os habitantes da cidade do Rio de Janeiro são incrivelmente bronzeados e naturalmente da cor morena que seduz tanto os “branquelos” estrangeiros que por aqui aportam. Aliás, para eles, a cidade é um paraíso de prazer sexual, onde se rendem às mulatas que os levarão à loucura. Portanto, o Rio de Janeiro pode se resumir a um lugar onde sempre se busca o prazer de viver. 
Naturalmente, isso não deveria ser difícil, com essa abundância de belezas naturais, praias, montanhas, monumentos, cena musical fértil, povo alegre, bem-humorado e bonito. O Rio de Janeiro é muito lindo. E, naturalmente, otimista.
Ser otimista não é ser alienado.
Como consta no dicionário, o otimismo também pode ser adquirido. Algo me leva a crer que é bem mais difícil ser otimista sem poder olhar para o Pão de Açúcar todos os dias pela janela do quarto, ao acordar.
O Rio de Janeiro é muito mais que praia, monumentos, beleza natural e etc. Há um Rio de Janeiro com valão, esgoto a céu aberto, mendigos e crianças de rua. Com casas de palafita e gente vivendo abaixo do nível da pobreza. Com toque de recolher de traficantes e intermináveis trocas de tiros diárias durante a madrugada. Em pleno maravilhoso Rio de Janeiro. 
Uma amiga saiu do interior do país e instalou-se no Rio de Janeiro: “Aqui é cidade grande, onde tudo acontece. Aqui têm muito mais oportunidades para ver meus sonhos realizados. Aqui se vive”.
Meu pai sonha em mudar-se para o interior do país, ele simplesmente cansou-se do Rio de Janeiro: “Não se pode sair para lugar nenhum, estamos presos em casa enquanto os bandidos estão soltos. Não posso passear tranqüilo com a minha família, há noites em que não durmo com o som dos tiros.”
O Rio é cidade grande que cresceu e transbordou pelas margens. Uma série de governos desastrados e populistas, apenas preocupados em fazer paliativos e vender tudo por 1 real, acabou por agravar as condições sociais. Parece que nossa educação e segurança também valem 1 real. Agora, os que caíram fora da “margem” voltam-se contra nós e às vezes parece que se trata de um problema sem solução. 
A pobreza também aliena. Ou melhor, te joga em uma rotina de desgraça por todo lado, parece que só existe isso: desgraça, tragédia, morte. Existem pessoas que não sabem o que é vestibular, que pensam que vida boa só existe na novela das 8 e que na “primeira vez” não se engravida.
Sou suburbana e não tenho vergonha disso. Sou daquelas que acreditam que “é de baixo que se avalia melhor as coisas”. Já fui a eventos de alta sociedade fiquei abismada com o número de gente rica que existe nessa cidade. Mais que automaticamente me veio o seguinte pensamento: “Se existe tanta gente rica, imaginem o número de gente pobre!”
O engraçado de tudo é que a massa desfavorecida invade cada vez mais as zonas nobres. Ironicamente, os lugares onde se vê mais mendigos e trombadinhas são no centro da cidade e na Zona Sul. Penso que eles estão ali com o objetivo de lembrar-nos que eles existem, cutucando essa ferida que não tem previsão de fechar. Mostrar aos turistas que eles não estão no paraíso. Mostrar a nós mesmos que não estamos no paraíso. E muita gente ainda não se dá conta disso!
Há casos de certo otimismo na pobreza. Uma das maiores favelas do mundo fica em Copacabana e virou ponto turístico, com passeios organizados cheios de turistas querendo subir o morro e apreciar a linda vista do Rio de Janeiro, além de conhecer um pouco do modo de vida desse praticamente “bairro”, tudo muito bonito, quase folclórico. Uma favela “fashion”. Também algo me leva a crer que ela não teria tanto sucesso se estivesse em outra zona. É engraçado ouvir alguém dizer “eu sei o que é pobreza, eu já fui na Rocinha” ou “eu vi ‘Cidade de Deus’”. 
Ser otimista também não é pensar que só dar uma esmola, participar de uma caminhada beneficente pela orla ou “abraçar” a Lagoa vai mudar tudo.
Pessimista, eu? Confesso que não sou otimista, sou realista.
Quero ver morar em uma casa onde não se pode acender as luzes depois das 22 horas.
Quero ver abraçar um delinqüente juvenil.
E ainda sim amar o Rio de Janeiro. Então essa cidade será a estes olhos sempre maravilhosa, e estes olhos genuinamente e perfeitamente otimistas.

Wednesday, March 18, 2009

O Centro - parte I: não há santos lá

No meu entendimento, o centro da cidade é um lugar diferenciado.

Lá, pessoas fazem dinheiro, pedem dinheiro e roubam dinheiro. Todo tipo de homem você encontra lá: juiz, advogado, funcionário público, garçom, diretor da empresa, jornalista, policial, engraxate, charlatão, ladrão... O improvável encontro desses homens se dá no centro da cidade.

Lá existe uma bagunça organizada. Em todas as calçadas tem um camelô. Tudo você encontra, seja lá o que for. Uma pilha, uma puta, um jornal...”na minha mão é só um real”, eles dizem.

O lícito e o ilícito convivem tão juntos que já não se vê mais a linha divisória. Ela está gasta, apagada pela ação do tempo... E o mesmo serve para as pessoas: não há santos no centro da cidade. E isso, meus amigos, é questão de sobrevivência.

Saber por onde andar, com quem falar. Saber até onde ir e a profundidade que se pode chegar...Tudo isso se aprende com o tempo, é o normal. Mas se alguém perde essa imprescindível lição, a lei da selva se faz presente e o mais fraco é engolido pelos mais fortes. Sem pena, piedade ou cartão postal.

Também já não se vê linha divisória entre o certo e o errado nas pessoas que lá trabalham. Cada um faz o que tem que fazer. Trabalhar no centro é saber ser ambíguo, não se pode dar mole. Pois em cada esquina te espera uma armadilha, uma ilusão.

Mas o que eu realmente quero dizer aqui é que já não se sabe mais o que é real e o que é falsidade.

Alguém certamente vai lhe pedir dinheiro no centro. No meu caso, isso acontece todo santo dia. Talvez essa pessoa diga que mora fora do Rio de Janeiro e que precisa de dinheiro para a passagem de volta ou talvez ela diga que o dinheiro é para comida e esteja com um bebê no colo. As histórias são várias, mas não são infinitas e isso faz com que cada pessoa já tenha ouvida uma delas.

Minhas dúvidas aparecem quando penso que não tenho como saber se aquela pessoa realmente não vive no Rio de Janeiro e também não sei se o bebê da outra mulher é mesmo filho dela. Ora, é só andar no centro para ouvir o conto do vigário TODOS OS DIAS. Dia desses eu vi na TV que uma mulher usava o filho de outra para pedir dinheiro, pois essa era uma maneira de sensibilizar as pessoas....

Em quem confiar? Para se estabelecer uma relação de confiança com alguém levam-se anos e ali, naquele momento, essa pessoa quer que você acredite nela, que você sinta pena dela, que você seja generoso, altruísta e muitas vezes...cego.

Confesso que já não consigo mais ser cego no centro da cidade. Eu olhei nos olhos do mundo e não gostei do que vi. E essa visão fez de mim uma pessoa diferente e fez com que os meus olhos não fechassem mais. Ajudo quem eu conheço, certamente. Mas quando não reconheço a verdade crua, nua e brutal nos olhos de quem vem me pedir dinheiro, prefiro hesitar É como eu disse antes: não há santos no centro da cidade.