Sunday, July 26, 2009

Não alimente os animais

Alguns dias de felicidade não macaqueiam as dúvidas e escolhas a fazer da vida. Talvez só as deixem no canto, barateando por algum momento. Mas ainda estão lá. Algumas são elefantescas demais para serem escondidas debaixo do tapete, algumas têm importância leonina, assustam-nos com seus rugidos, urgem uma posição. A vida cisma em ser camaleônica, as certezas de um dia não são mais certas no outro. Enquanto não tenho a sabedoria de uma coruja, ainda deixo a dúvida invadir minha casa, sorrateira como uma cobra. Quando abro os olhos, está lá, essa presença silenciosa e incômoda. Cedo ou tarde, ela poderá dar o seu bote.

Essas pequenas e determinadas formiguinhas invadem meu cérebro, atrás de alguma guloseima para roer. Displicente com a ideia de estar formando uma colônia cada vez mais profunda, acho-me a alimentar os bichinhos. Logo o meio ambiente adequado atrairá outros. Está aí um ecossistema favorável para o crescimento e desenvolvimento de qualquer caraminhola! Virão, dos vegetarianos aos carnívoros, a pedir meu sustento, enquanto desenho os pastos intermináveis e tento manter o equilibrio, enquanto os predadores atacam suas presas seguindo o ronco interior.

Agora isso cansa, não deveria ter começado... eles estão mal acostumados. Não posso mais ficar como um bicho-preguiça: as onças estão à solta. Devo mandar a seca, deixá-los morrer, migrar... sou quem preciso sobreviver.

Para ouvir: Talking Bird - Death Cab For Cutie
"The longer you think, the less you know what to do..."

Saturday, July 11, 2009

Liberdade de expressão para os bons

Liberdade de expressão, essa coisa esquisita... enfim, escuta-se muita sandice nesse mundo. Besteira é o que o povo adora falar, difícil é quando a pessoa fala besteira acreditando que não é. Aí é duro.

Eu não costumo falar muito em público. Eu prefiro ouvir, por medo de falar uma besteira muito grande. Isso me atrapalha um pouco, quando eu perco oportunidades de dar algum exemplo ou fazer uma pergunta. Eu prefiro pensar um pouco mais e perguntar pra outra pessoa depois, se for algo que eu realmente não consegui descobrir sozinha. Depende do momento também, às vezes cismo em fazer alguma piada, mas só quando eu tenho certeza que todos vão rir.

Não falar muito também me atrapalha quando eu acabo não defendendo minhas ideias em público. Eta pós-moderninade que me faz relativizar. Mas depois de ver tanta gente defendendo tanta sandice, acho que eu relativizo demais. Oras, se tanta gente pode dizer sandice, por que eu não posso dizer sandice também? Por que vai que não é sandice?
Deveria ser um fato comprovado pela ciência que a maioria das pessoas não submetem suas palavras ao cérebro antes de dizê-las. É triste constatar que há muita, mas muita gente sem-noção nesse mundo.
Formadores de opinião? O que é isso hoje em dia? Representantes da boas e velhas instituições, como Igreja e Estado. Fora o exemplo do pastor já citado, o que dizer das frases do nosso presidente Lula? E tem o maior nível de popularidade do pais, vai saber. Então, fora isso? Quem tem o microfone pra uma mega audiência todo domingo? Quem está entrando nos lares de segunda a sábado nos lares brasileiros no horário nobre (você conhece algum indiano morando no Rio? É, nem eu.)? Qual é o escritor brasileiro com maior reconhecimento nacional e internacional, vende milhões de livros em que copia os mesmos ensinamentos mais clichês de Confúcio como se fossem deles? Qual ex-BBB está todo dia no maior portal da internet?
Por que o microfone tem que cair na mão deles? Por que ganham tanto espaço? Por que tanta gente diz "amém"? Mistério...
Todo mundo fala muita coisa. Todo mundo se vê no direito de dar uma opinião. Todo mundo acha que tem alguma coisa a dizer. É muita informação. Qual foi a última que você realmente guardou por que achou que valia a pena?

A moral da história, amizade, é essa: "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons." Martin Luther King, que era pastor...

p.s.: se é pra ficar encucado com alguma coisa, fique encucado com o fato de muitos pastores falarem sandice nos cultos, mas os milagres continuarem acontecendo. Por que sim, acontecem. Já aprendi que se é parte da promessa de Deus que haja cura ou libertação, vai acontecer, independente se o pastor for ladrão, burro e falar errado. Por que não é ele que realmente faz os milagres, é? Só que aí esses pastores ganham seguidores. Por que um pastor tem que ter seguidores? Ok, voltando à analogia primária, as ovelhas sim, seguem o pastor. Mas o pastor também é responsável por elas, por guiá-las por pastos bons e águas limpas, por tratar-lhes as feridas, para protegê-las dos lobos... Enfim, pastores são humanos e passíveis de erros como suas ovelhas. O que nós precisamos ter é discernimento pra submetê-los e a nós mesmos aos ensinamentos do Chefe. É isso que falta...

Friday, July 10, 2009

Quanta ignorância

Costumo ligar a TV toda vez que acordo para ouvir as últimas notícias e saber como está o trânsito (nos dias de semana) ou para assistir qualquer coisa (nos fins de semana). Em um sábado qualquer, acordei e liguei minha TV como de costume. Estava passando um dos milhares de programas evangélicos da BAND e um pastor, cujo nome não me recordo (não era figurinha repetida como o Malafaia e o R.R. Soares), pregava fervorosamente (pra variar).

Ainda estava em estado de semiconsciência quando ele me despertou totalmente ao dizer (aos berros) a seguinte frase: "porque quem vai contra o seu patrão, vai contra Deus. Você sabe que o Direito do Trabalho é paternalista e pró-trabalhador e mesmo assim você se volta contra o seu patrão!"

Depois de o pastor dizer essas palavras no mais alto tom, ouviu-se um coro: "Amém!". Eram os ouvintes (os fiéis).

Fiquei muito triste com o que ouvi, pensei nisso por umas duas semanas. Se eu fosse jovem, ficaria revoltado, mas agora eu fico triste ao ver uma ignorância dessas sendo confirmada pelas pessoas...O pastor foi irresponsável por dizer uma idiotice sem tamanho e os fiéis ratificaram tranquilamente. A ignorância deve ser mesmo uma benção, pois é libertadora. Te permite afrontar qualquer coisa, mas principalmente o bom senso.

Você vai me dizer que essas pessoas (com exclusão do pastor), em sua maioria, não tiveram boa base de estudos e muitas são de origem humilde. Além de concordar com você, eu vou complementar o raciocínio dizendo que, por não terem estudo e cultura geral, essas pessoas são mais sucetíveis a um formador de opinião (no caso, o pastor). Como alguém disse uma vez, "o encosto só se apodera das pessoas pobres. No dia que exorcizarem o Eike Batista lá no meio do palco, com ele de joelhos e falando grosso, os olhos revirados, eu passo a acreditar em tudo".

Superando isso (que não é o assunto principal), sinto necessidade de dizer que o tal pastor estava totalmente equivocado e criou um sofisma ao dizer que quem se revolta contra o seu patrão, se revolta contra Deus...De fato, o Direito do Trabalho adota a posição "pró-trabalhador" e, para alguns, pode ser entendido como paternalista (apenas no sentido de que busca tutelar com a maior eficiência possível os interesses do trabalhador). Mas isso não colabora em absolutamente nada para o falso silogismo elaborado pelo pastor.

Basta fazermos a seguinte pergunta: Por que o Direito do Trabalho seria pró-trabalhador?

Já experimentou duelar numa lide contra uma grande empresa? Você e seu defensor público contra uma multinacional e a melhor banca de advocacia do Brasil. Nesse caso quem é o hipossuficente? Quem tem mais condições técnicas e econômicas de produzir provas? Será que que a verdadeira igualdade não significa tratar desigualmente os desiguais? Penso que sim.

A história do Direito do Trabalho, querido pastor, acompanha a evolução da sociedade que caminhou da servidão ao trabalho assalariado. Mas uma coisa eu garanto: demorou muito para chegarmos à tutela especial da Justiça do Trabalho e antes disso muito sange rolou. Imagine quantos trabalhadores foram mutilados nas novíssimas máquinas da na Revolução Industrial e não tiveram ressarcimento de nada. Quantos foram os abusos com jornadas de trabalho que ultrapassavam o limite do humanamente possível? Quanta gente morreu de tanto trabalhar? Quantos tiveram que ouvir que não seriam ressarcidos do acidente sofrido porque a "empresa não teve culpa" (antes da idéia do risco do empreendimento e a responsabilidade objetiva)?

Os casos são incontáveis. O advogado Fábio Ferraz ilustra bem a situação do trabalhador no Estado Liberal ao dizer:
"O individualismo levava a uma exploração do mais fraco pelo mais forte. O capitalista livremente podia impor, sem interferência do Estado, as suas condições ao trabalhador. Havia mera igualdade jurídica. Em curto tempo, estavam os mais ricos cada vez mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres. O mais forte subjuga o mais fraco." (link)

O hipossuficiente precisa ser tratado com cautela, precisa ser melhor protegido, sim. E por isso o Direito do Trabalho adota o in dubio pro misero, ou seja, na dúvida (em caso de lacuna probatória, por exemplo) se decide a favor do trabalhador. É uma questão de necessidade e não capricho. Duvido muito que Deus "figure no pólo passivo" do processo movido entre o trabalhador e o empregador. Também não acredito que Deus se volte contra o trabalhador por ele perseguir um direito seu!!!

Mas ainda se pode argumentar que tudo isso é uma interpretação errada que eu fiz da frase. Você pode querer me convencer que o que o pastor quis dizer é que o trabalhador não deve mover ação contra seu patrão sabendo que não tem direito algum, apenas na tentativa de conseguir alguma vantagem...

Isso não muda abolutamente nada o que foi dito acima!!!! O direito de ação é garantia constitucional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988). Se o trabalhador promove uma ação contra seu empregador sem ter direito (o que é bem mais raro pela bagunça que é o Brasil) ele ganhará uma sentença de improcedência e acabou. O direito de ação ele vai ter sempre. O fato de o Direito do Trabalho ser "pró-trabalhador", não é sinônimo de vitória automática, nem de vitória a qualquer custo.

Prefiro acreditar, depois de tudo isso, que o pastor se equivocou pela sua ignorância com relação ao tema e que não estava falando como um "homem de negócios".

Enfim, fica o manifesto. Um formador de opinião deve ter um mínimo de cuidado com as afirmações que lança para o seu público, sob pena de cometer aberrações como essa.