Saturday, November 21, 2009

O dia de amanhã

Finalmente, chegou o dia.

Eram 07:32 quando eu olhei o despertador. Não me levantei de primeira, pois raramente levanto. Fiquei na cama até 07:54.

Me dirigi ao banheiro como é de praxe. Sem olhar no espelho, abri a pia e enchi as mãos de água. Minhas mãos não estavam trêmulas como eu achava que estariam. Joguei a água no rosto e finalmente encarei o espelho.

Apareceu um homem com o rosto coberto de água. As olheiras eram nítidas e desde muito tempo estavam ali. O cabelo era desarrumado como de quem acabou de acordar, mas os olhos...Havia algo de errado com aqueles olhos castanhos. Mas o que era? Estavam mais apagados? Estavam menos corajosos? Bom, estavam menos interessantes agora. Tristes, eu diria.

Abri o box do banheiro. Escolhi água fria. Costumo pensar que tomar banho frio é um tipo de penitência ou castigo. Mas, além disso eu sabia que quando tomo um banho frio não consigo pensar em nada, apenas na dor momentânea da água fria batendo na minha pele quente de quem acabou de acordar. Demorei um pouco mais nesse banho. Ficar sem pensar em nada era melhor embriaguez...

Fechei o botão da calça, coloquei o cinto. Já sentado coloco o sapato do pé direito e depois o do pé esquerdo. Faltava amarrar os cadaços. Eu me demorei um pouco, fiquei pensando para onde eu iria, se o dia no escritório seria bom hoje. Como estaria meu nível de concentração, afinal? Entre pensamentos e lembranças, notei que a partir de hoje o meu caminhar seria solitário.

Lembrei da frase do Alberto Goldim que tinha lido no dia 15 de novembro. Ele falava sobre relacionamento e da importância de alinhar os interesses e não fazer jogos ou coisas do tipo. Até que ele termina a resenha com a seguinte frase:

Quando conseguem se encontrar em paz, ambos ganham um fantástico prêmio: o direito de lutar juntos para combater a solidão universal, habitando um sólido castelo, luxuosamente decorado com seus próprios projetos e ilusões.

Projetos...sonhos...ilusões. Tudo isso eu tinha e nada disso era meu.

Estava na hora de combater a solidão universal novamente. Sozinho dessa vez, não havia dúvida quanto a isso. Era assustador...

Escolhi a camisa branca. Fechava os botões e nada daquilo parecia fazer sentido. Coloquei a gravata cinza, pois era ela que melhor expressava o meu humor ou a ausência dele. Coloquei o paletó preto, por fim. "Deveria ser como uma armadura", pensei.

Peguei o ônibus. Sem ouvir música, dessa vez. Minha intuição dizia que música seria pior...

Desci no ponto, no ponto de sempre. Do outro lado da calçada vislumbrei a construção. Era o prédio do relógio gigante. Não era só um prédio, era um santuário também. O templo do Deus do Tempo, como eu sempre pensei.

Antes de entrar, fiz uma oração ao Deus do Tempo:

Mestre, você sabe quem é o discípulo que vos fala agora. Tu sabes que sempre segui com disciplina e coragem todos os seus ensinamentos. Passei por seus inúmeros desafios, suportei teus anocronismos e passei pelos jejuns que me impuseste com esperança em meu coração. Aprendi a ter paciência contigo e cresci debaixo do teu manto esperando sempre as surpresas que vinham com a tua chegada. Poucas vezes te pedi alguma coisa, mas hoje pedirei com toda humildade.
Me cura, Mestre. Use os poderes do Tempo para curar as feridas desse meu coração. Cuida de mim. Não deixe que as horas, os dias ou os meses me torturem. Faça com que tudo passe, com que meu espírito evolua. Me traz a cura, Mestre. Me exalte e me traga de volta para as batalhas com os poderes do Tempo.
Que assim seja.


Logo em seguida, o sinal de trânstio abriu e eu atravessei a calçada. Entrei no templo com as esperanças de que fui ouvido.

Era mais um dia de trabalho e as coisas ainda não faziam o menor sentido.

1 comment:

  1. Uma música do Death Cab For Cutie - bem triste, devo dizer - começa com a seguinte frase: "And it came to me then that every plan is a tiny prayer to Father Time". Sua oração é uma das coisas mais bonitas que eu já vi.

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