Monday, May 4, 2009

Um despretensioso conto colaborativo - TERCEIRA PARTE

No exato momento em que senti meu ossos se chocando contra o chão duro e frio, eu finalmente admiti que tínhamos ido longe demais. E quando a dor na queda não doía mais, quando a dor dos disparos não doíam mais... bom, a dor no peito agora parecia causada pelas emoções do que tiros... engraçado como a gente consegue mentir tão bem para si mesmo, ao ponto de virar uma verdade em que cremos veementemente. Incrível...

Fomos longe demais em pequenos passos, pequenos o suficiente pra gente se acostumar e curtir a paisagem. E quanto mais motivos aparecem para condenar o que fizemos, mais motivos criamos pra justificar nossa própria vontade. E aí... "não é assim tão errado", "fomos levados a isso pelas circunstâncias", "precisamos disso pra mantermos a sanidade", ou "é só uma coisa boba". Mas, quando pensamos em sair... "é tarde demais, estamos envolvidos demais".

Lembrei, ali mesmo, enquanto minha garganta fechava e algumas lágrimas escorregavam pelos meus olhos, que quando me apaixonei pela primeira vez, ainda nova, eu soube que não conseguiria viver sem alguém que cuidasse de mim. Eu posava de muito livre e independente, e a cara fim de namoro eu jurava que não queria mais ninguém, e em 10 dias, já estar em outro relacionamento. Eu não buscava, eu juro! Ou achava que não... Mas nunca estava solteira. Engraçado... Mas olha, eu não ficava trocando de namorado toda hora. Eram relacionamentos longos, raramente traía, um ou outro, bem na adolescência... bobagens. Ainda nova, já formada, com um bom emprego, eu tinha acabado de me separar de um cara com quem eu morei uns 3 anos. Ele queria casar no papel, filhos, uma vida chata de margarina e eu percebi que era nova demais pra me prender. Inconscientemente eu já devia saber que não ia ficar sozinha por muito tempo. Ele saiu, eu fiquei no apartamento onde tudo era meu mesmo. E como sempre, em poucos dias eu já estava sentada num restaurante da Zona Sul com esse cara interessantíssimo, charmoso... duas taças de vinho e eu já me joguei, como sempre fazia. Se iria dar certo ou não, sei lá.

Deu certo. Dante era um homem fascinante, e não me pareceu estranho me casar com ele. Ele lidava comigo de um jeito completamente diferente dos outros. Os meus antigos parceiros pareciam ter medo de me perder a qualquer momento. Eu era mais segura. Dante passava segurança, como se tivesse certeza de que eu precisava dele. Então, eu passei a precisar mesmo.
Bateu o medo de ele me achar carente. Eu passei a fingir que era segura também. Os primeiros anos foram difíceis, mas depois essa transformou-se em mais uma mentira que eu quis acreditar. A empresa dele foi crescendo assustadoramente, o dinheiro entrava aos montes e o nosso padrão de vida deu um salto. Casa nova, reformas, nosso filho... tinha coisa demais pra administrar, eu precisava ficar em casa agora. Que bela ironia, eu abraçava o tédio. Ficava arrumando coisas novas pra fazer. Cerâmica, decoração, tai-chi... Dante estava na ponte aérea, nosso filho crescia tão rápido. Um dia ele disse "tchau" e foi estudar na Inglaterra. Dante não me dava "tchau" quando saía... Mas era um equilíbrio constante que eu não queria quebrar.

Até... bom, até arrumar um amante. Ok, não vamos dissimular porque eu tô achando que vou morrer. Até minhas amigas falavam, cheias de segundas intenções, que eu precisava de algo excitante em minha vida. Ajudar a manter minha auto-estima, me deixar satisfeita. Ele era um chef em ascenção, o que quer dizer que tinha tempo livre pela manhã... Apesar de sua dedicação na cozinha, fora dela ele não tinha muito cuidado com suas palavras e atos, era insensível, bruto, desajeitado. Outro belo paradoxo. Era inseguro fora do espaço em que dominava. Então era eu que tinha essa função. E adorava.

Só que, em casa, as coisas não melhoraram. Pelo contrário. Recuperada minha confiança, eu e Dante brigávamos cada vez mais, a intensidade aumentava devagar, a cada embate. Eu me descobri ácida como nunca havia sido. E atacava tudo que me desagradava com fúria. E quão furiosa eu não fiquei quando encontrei uma mensagem estranhíssima no celular dele. Não, eu não queria espionar, mas quando ele insistia em tocar de madrugada, num dia em que Dante tinha acabado de sair para o escritório, eu perdi as estribeiras. Minha primeira opção foi jogá-lo pela janela, mas o treco vibrou em minha mão. A pessoa desistira de ligar e mandara uma mensagem de texto. Não consigo explicar, eu simplesmente apertei o botão. Segundos depois, Dante entrou correndo no quarto. Ele tinha se dado conta que o aparelho não estava com ele. Tarde demais...

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