Friday, July 10, 2009

Quanta ignorância

Costumo ligar a TV toda vez que acordo para ouvir as últimas notícias e saber como está o trânsito (nos dias de semana) ou para assistir qualquer coisa (nos fins de semana). Em um sábado qualquer, acordei e liguei minha TV como de costume. Estava passando um dos milhares de programas evangélicos da BAND e um pastor, cujo nome não me recordo (não era figurinha repetida como o Malafaia e o R.R. Soares), pregava fervorosamente (pra variar).

Ainda estava em estado de semiconsciência quando ele me despertou totalmente ao dizer (aos berros) a seguinte frase: "porque quem vai contra o seu patrão, vai contra Deus. Você sabe que o Direito do Trabalho é paternalista e pró-trabalhador e mesmo assim você se volta contra o seu patrão!"

Depois de o pastor dizer essas palavras no mais alto tom, ouviu-se um coro: "Amém!". Eram os ouvintes (os fiéis).

Fiquei muito triste com o que ouvi, pensei nisso por umas duas semanas. Se eu fosse jovem, ficaria revoltado, mas agora eu fico triste ao ver uma ignorância dessas sendo confirmada pelas pessoas...O pastor foi irresponsável por dizer uma idiotice sem tamanho e os fiéis ratificaram tranquilamente. A ignorância deve ser mesmo uma benção, pois é libertadora. Te permite afrontar qualquer coisa, mas principalmente o bom senso.

Você vai me dizer que essas pessoas (com exclusão do pastor), em sua maioria, não tiveram boa base de estudos e muitas são de origem humilde. Além de concordar com você, eu vou complementar o raciocínio dizendo que, por não terem estudo e cultura geral, essas pessoas são mais sucetíveis a um formador de opinião (no caso, o pastor). Como alguém disse uma vez, "o encosto só se apodera das pessoas pobres. No dia que exorcizarem o Eike Batista lá no meio do palco, com ele de joelhos e falando grosso, os olhos revirados, eu passo a acreditar em tudo".

Superando isso (que não é o assunto principal), sinto necessidade de dizer que o tal pastor estava totalmente equivocado e criou um sofisma ao dizer que quem se revolta contra o seu patrão, se revolta contra Deus...De fato, o Direito do Trabalho adota a posição "pró-trabalhador" e, para alguns, pode ser entendido como paternalista (apenas no sentido de que busca tutelar com a maior eficiência possível os interesses do trabalhador). Mas isso não colabora em absolutamente nada para o falso silogismo elaborado pelo pastor.

Basta fazermos a seguinte pergunta: Por que o Direito do Trabalho seria pró-trabalhador?

Já experimentou duelar numa lide contra uma grande empresa? Você e seu defensor público contra uma multinacional e a melhor banca de advocacia do Brasil. Nesse caso quem é o hipossuficente? Quem tem mais condições técnicas e econômicas de produzir provas? Será que que a verdadeira igualdade não significa tratar desigualmente os desiguais? Penso que sim.

A história do Direito do Trabalho, querido pastor, acompanha a evolução da sociedade que caminhou da servidão ao trabalho assalariado. Mas uma coisa eu garanto: demorou muito para chegarmos à tutela especial da Justiça do Trabalho e antes disso muito sange rolou. Imagine quantos trabalhadores foram mutilados nas novíssimas máquinas da na Revolução Industrial e não tiveram ressarcimento de nada. Quantos foram os abusos com jornadas de trabalho que ultrapassavam o limite do humanamente possível? Quanta gente morreu de tanto trabalhar? Quantos tiveram que ouvir que não seriam ressarcidos do acidente sofrido porque a "empresa não teve culpa" (antes da idéia do risco do empreendimento e a responsabilidade objetiva)?

Os casos são incontáveis. O advogado Fábio Ferraz ilustra bem a situação do trabalhador no Estado Liberal ao dizer:
"O individualismo levava a uma exploração do mais fraco pelo mais forte. O capitalista livremente podia impor, sem interferência do Estado, as suas condições ao trabalhador. Havia mera igualdade jurídica. Em curto tempo, estavam os mais ricos cada vez mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres. O mais forte subjuga o mais fraco." (link)

O hipossuficiente precisa ser tratado com cautela, precisa ser melhor protegido, sim. E por isso o Direito do Trabalho adota o in dubio pro misero, ou seja, na dúvida (em caso de lacuna probatória, por exemplo) se decide a favor do trabalhador. É uma questão de necessidade e não capricho. Duvido muito que Deus "figure no pólo passivo" do processo movido entre o trabalhador e o empregador. Também não acredito que Deus se volte contra o trabalhador por ele perseguir um direito seu!!!

Mas ainda se pode argumentar que tudo isso é uma interpretação errada que eu fiz da frase. Você pode querer me convencer que o que o pastor quis dizer é que o trabalhador não deve mover ação contra seu patrão sabendo que não tem direito algum, apenas na tentativa de conseguir alguma vantagem...

Isso não muda abolutamente nada o que foi dito acima!!!! O direito de ação é garantia constitucional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988). Se o trabalhador promove uma ação contra seu empregador sem ter direito (o que é bem mais raro pela bagunça que é o Brasil) ele ganhará uma sentença de improcedência e acabou. O direito de ação ele vai ter sempre. O fato de o Direito do Trabalho ser "pró-trabalhador", não é sinônimo de vitória automática, nem de vitória a qualquer custo.

Prefiro acreditar, depois de tudo isso, que o pastor se equivocou pela sua ignorância com relação ao tema e que não estava falando como um "homem de negócios".

Enfim, fica o manifesto. Um formador de opinião deve ter um mínimo de cuidado com as afirmações que lança para o seu público, sob pena de cometer aberrações como essa.

No comments:

Post a Comment